quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Copa Verde: um gol pela sustentabilidade


Ian McKee e Vicente de Castro Mello idealizaram o Projeto Copa Verde,que inclui EcoArenas e planos que envolvem todos os serviços a serem prestados aos brasileiros e visitantes durante a Copa de 2014. Tal projeto, se executado nos mínimos detalhes, pode se tornar em referência mundial para outros eventos esportivos e, também, um bom exemplo de economia verde
O economista americano Ian McKee e o arquiteto brasileiro Vicente de Castro Mello são visionários. Amantes de futebol, eles mal podem esperar pela copa do mundo de 2014, no Brasil. Mas, ao mesmo tempo, torcem para que ela tenha o mínimo de impacto ambiental possível. Para ambos, esta será a grande vitória brasileira.

Ian, que por anos trabalhou no banco Goldman Sachs, em Nova York, vive hoje em Los Angeles, onde se credenciou pelo LEED - Leadership in Energy and Environmental Design (ou Liderança em Design de Energia e Meio-Ambiente), através do U.S. Green Building Council - Conselho de Construções Sustentáveis, nos Estados Unidos. Ou seja, ele tem o poder de certificar construções sustentáveis no mundo todo. Vicente vive em São Paulo, onde é sócio-diretor da Castro Mello Arquitetura Esportiva . Juntos eles idealizaram e escreveram o Projeto Copa Verde, que inclui as EcoArenas e planos que envolvem todos os serviços a serem prestados aos brasileiros e visitantes durante a Copa.
O que é o Projeto Copa Verde?
Ian – Copa Verde é a competição pela sustentabilidade onde todos ganham. Por exemplo: os estádios de futebol têm vida útil que varia entre 50 e 70 anos. Então pense que nos próximos anos, os custos de energia e água serão cada vez maiores, tornando, extremamente necessária a implantação de sistemas de uso racional de água e fontes de energia renováveis.

A Copa de 2014 é um evento da FIFA, que tem compromissos com seus patrocinadores. Uma Copa do Mundo é o maior evento de mídia do planeta: bilhões de dólares são gerados com o marketing e a venda dos direitos de imagem. Cabe ao país anfitrião preparar toda a infra-estrutura para realizar este evento. E essa é a grande oportunidade que um país tem para acelerar o seu crescimento em cerca de 20 anos, realizando as obras necessárias para melhorar a infra-estrutura.

O Brasil tem muito o que ganhar com a Copa, mas apenas se houver um bom planejamento, certo?
Ian – Claro! Hoje, já é possível afirmar que grandes obras mal planejadas podem gerar um impacto negativo no meio ambiente contribuindo e, muito, com o aquecimento global e todas suas conseqüências. Queremos que o Brasil seja conhecido por respeitar o meio ambiente e contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos habitantes do planeta.

Teremos essa oportunidade realizando a maior ação coordenada de green building, ou seja, de construções verdes já realizadas por um país. Imagine que teremos doze estádios e que eles abrigarão milhares de pessoas – pense no impacto que isso terá no meio ambiente. Hoje, temos a capacidade de reduzir este impacto e, para isso, basta seguir as regras. Sem falar em hotéis, hospitais, aeroportos e transportes.

Queremos envolver todos os serviços da Copa, no conceito da Copa Verde.

Como vocês iniciaram este projeto?
Vicente - No segundo semestre de 2007, seis meses antes do anúncio oficial do Brasil como sede da Copa de 2014, iniciei uma série de visitas aos estádios brasileiros, totalizando 30 estádios em 18 capitais. Essas visitas resultaram em um estudo, considerado um verdadeiro “raio-x” (veja link no final da entrevista) dos estádios brasileiros na atualidade.

Um dia após o anúncio oficial do Brasil como sede da Copa de 2014, o estudo foi apresentado em uma coletiva de imprensa e entregue, em mãos, ao ministro dos esportes. Este foi o pontapé inicial para abrir os olhos para a grande oportunidade e a grande responsabilidade que o Brasil tem pela frente.

Quais foram os primeiros passos?
Vicente - No início de 2008, comecei a desenvolver, com a minha empresa, projetos preliminares para algumas cidades que pretendiam ser sede da copa de 2014, entre elas, Brasília, Rio de Janeiro, Maceió, Belém, Cuiabá e Campinas. Neste período, havia muitas dúvidas quanto a capacidade do Brasil realizar sua segunda Copa do Mundo. Afinal, nossos estádios estavam e continuam muito longe do necessário para um evento do nível da FIFA.

Aproveitei o período entre agosto e novembro de 2008 para viajar aos Estados Unidos. Visitei algumas instalações esportivas, participei de diversos seminários sobre green business e visitei alguns sítios de produção de energia limpa da Califórnia. Continuei viajando para Alemanha, França e Inglaterra onde também visitei UK Green Building Council e os estádios das últimas copas, que foram líderes em tecnologia, em sua época, iniciando o programa “Green Goal” da FIFA, em 2004, quando já se almejava uma redução do impacto ambiental provocado por campeonatos mundiais de futebol.

Eu e Ian escrevemos o “Plano da Copa Verde”, que inclui diversas ações, entre elas o projeto de 12 estádios do futuro que denominamos de EcoArenas. Elas serão o grande cartão postal do Brasil, posicionando o país entre os líderes mundiais da nova economia verde.

Por exemplo?
Vicente - Digamos que você tem uma geladeira que provoca uma conta de luz altíssima. Então, você resolve trocá-la por uma mais cara, mas que consome menos energia. Você não só estará economizando, mas gerando menos impacto no planeta. O mesmo acontece com as arenas. Vou descrever para vocês, de forma resumida o que um projeto de estádio precisa, na minha opinião, para ser considerado uma EcoArena.

1 - Design: A sustentabilidade começa no design mais favorável buscando, ao máximo, a ventilação e a iluminação natural dos ambientes para reduzir o custo de manutenção, consumo de energia e recursos naturais;

2 - Água: Um recurso é a captação da água da chuva, pela cobertura, campo e entorno do estádio. Outro recurso é a utilização de torneiras com controle de vazão e sanitários waterless (sem água) que permitem a redução drástica do uso de água potável. Um terceiro recurso diz respeito aos sistemas de tratamento de água tipo wetlands, no qual as raízes de plantas aquáticas fazem o trabalho;


3 - Energia: A adoção do painel fotovoltaico para transformar a energia solar em energia térmica e elétrica. Estes painéis podem ser aplicados na cobertura e nas fachadas do estádio para torná-lo auto-suficiente em energia. O lixo orgânico e o esgoto podem ser aproveitados em um biodigestor para produzir gás metano, abastecendo cozinhas ou gerando mais energia.

Mais: um sistema inteligente de automação pode contribuir muito para a redução do consumo de energia, controlando o acionamento de lâmpadas e máquinas de ar condicionado somente quando necessário. E ainda o uso de um sistema de resfriamento de ar e água no subterrâneo, para garantir um sistema de ar-condicionado mais econômico;

4 - Materiais: Utilizar, ao máximo, matérias reciclados e recicláveis, produzidos próximo ao local onde o estádio for construído, para evitar o consumo de combustível fóssil no transporte. Utilizar somente madeiras com certificado de origem. Evitar o uso de matérias químicas nos revestimentos internos dos ambientes, a fim de evitar alergias e doenças respiratórias. Elaborar um sistema de coleta seletiva e reciclagem de lixo e um programa de redução de lixo.

Quais as possibilidades de tornar esse projeto real?
Ian - A arquitetura e a engenharia brasileira tem toda a capacidade para elaborar estes projetos. As construções sustentáveis serão o grande desafio desse século e a busca por soluções será enorme e elevará a comunicação e a cooperação inédita entre países e suas indústrias.

A tecnologia é uma parte da solução, mas tem menor importância do que as pessoas imaginam. green building, ou construção sustentável, tem muito mais a ver com design e escolha de materiais, do que com tecnologia. Muita gente pensa que painéis solares são o suficiente para se fazer um estádio sustentável. Os painéis podem ser um componente da sustentabilidade de um projeto; mas eles não são a parte mais importante. As EcoArenas brasileiras precisam focar na eficiência de operação e, claro, na eficiência econômica.

No que os brasileiros precisam focar para construir estas arenas?
Vicente - No Brasil, hoje, há um grande erro: nos projetos públicos, por exemplo, o foco tem sido no custo do projeto e no custo de construção. Mas não se pensa no custo futuro de manutenção. Por isso, acabamos sempre escolhendo o “barato que sai caro,” achando que ninguém vai notar a diferença. A boa notícia é que as coisas estão mudando e os consumidores, neste caso, freqüentadores de estádios – além dos investidores - estão começando a ver que esta não é uma estratégia sustentável.

O que os investidores das EcoArenas devem analisar?
Ian - Estimamos que estádios terão vida útil de 50 ou 70 anos e que o investimento em sustentabilidade dará retorno dentro de sete ou oito anos. Após esse período, a edificação passa a dar lucro financeiro até o restante de sua vida útil.
Já estamos vendo em outras partes do mundo que o financiamento para os projetos está vindo mais facilmente e com juros mais atraentes para as edificações sustentáveis. Isso vai transformar completamente o negócio de construções no mundo e, acredito, no Brasil também.

Em breve todo projeto arquitetônico terá, como foco principal, a sustentabilidade e isso trará grande beneficio aos investidores, pois garantirá retornos incríveis. Por isso, considero que esta é uma grande oportunidade para o Brasil neste momento. Se o país conseguir focar na construção sustentável para a Copa do Mundo, será referência mundial de economia verde. Isso trará benefícios a todos os brasileiros e ao nosso planeta. Estamos pensando nos projetos para o ano de 2014, quando já teremos tecnologia e conhecimento suficientes para construir os edifícios mais eficientes do mundo.

Quais são os benefícios das EcoArenas?
Vicente - O menor custo de manutenção, utilizando matérias resistentes e duráveis, recicláveis, não-químicas e de baixo impacto ambiental, de preferência produzidos próximo ao local do estádio. A geração de energia limpa e renovável - aliada a uma política de uso racional de energia e água potável - também contribui muito para a redução do custo de manutenção. O design deve acompanhar a iniciativa. Não se pensou nisso quando construíram o estádio de Pequim, conhecido como “Ninho de Pássaro”. Durante as Olimpíadas de 2008, a demanda por energia na cidade aumentou, consideravelmente, elevando para 40% o consumo de carvão.

E o que isso significa?
Vicente – Houve aumento no impacto ambiental, na poluição e no transporte de elementos químicos como o mercúrio. Parte dessa poluição do ar de Pequim acabou depositada na estrutura metálica que caracteriza o estádio “Ninho de Pássaro”, criando problemas de manutenção: o uso de um bem valioso, como a água, para efetuar a limpeza. Vale lembrar que, numa Olimpíada, foca-se em uma cidade. No caso da Copa, teremos 12 cidades brasileiras envolvidas.

Quanto custa uma EcoArena?
Vicente - O custo direto depende do tamanho do estádio e do nível de intervenções pretendidas. Hoje, um estádio para 70 mil pessoas pode custar em torno de 30 milhões de reais. A tendência é que, com as evoluções tecnológicas, esse custo baixe nos próximos anos.

O que é mais relevante nas discussões entre os arquitetos envolvidos na Copa?
Ian - Os arquitetos para a Copa de 2014 foram escolhidos previamente por conhecerem bem as questões que envolvem um evento como este. Não houve concurso. Queremos que todos tenham condições para elaborar a melhor Copa de todos os tempos. Para isso, vamos trabalhar em conjunto para buscar as melhores soluções técnicas, trocar muita informação e desenvolver o modelo de estádio brasileiro que será referência para o mundo todo. O resultado das reuniões será divulgado na grande mídia e encaminhado ao Ministério dos Esportes. O melhor fiscal para garantir o sucesso é a população brasileira, que é, também, a principal beneficiada.
As obras começarão em janeiro de 2010, se estendendo até 2013. Os investidores serão apontados após as licitações, sendo que poderá entrar dinheiro público na fase inicial da obra.

O que já está em andamento?
Vicente - Em parceria com o arquiteto Eduardo de Castro Mello estou desenvolvendo o projeto do Estádio Nacional de Brasília para Copa 2014, além de uma série de outros projetos de estádios, ginásios e centros esportivos para competição e recreação. Todos os nossos projetos revelam preocupação em causar o menor impacto ambiental possível e buscar eficiência energética para garantir o menor custo de operação e manutenção. Desta forma, estes projetos podem garantir a sustentabilidade econômica e ambiental.

Qual os maiores obstáculos no momento?
Vicente - Um deles é a Lei 8666, que foi criada para reduzir o desvio de verba nas concorrências públicas. Com ela, a qualidade das obras realizadas caiu, já que a contratação dos projetos e serviços é feita pelo menor preço. O correto deveria ser o melhor preço, mas desde que a melhor técnica sempre predomine.

Há uma grande diferença entre custo e investimento de um projeto. Com o investimento certo, podemos usar a melhor técnica para baixar muito o custo de execução das obras. Um projeto sustentável demanda pesquisa e investimento dos profissionais envolvidos e a conscientização dos clientes e consumidores.

Que contribuição o Brasil pode deixar para outros países, caso todos os estádios da Copa sejam sustentáveis?
Ian - Na última Copa do Mundo de futebol, realiza em 2006 na Alemanha, os estádios e seus arquitetos tornaram-se referência no assunto e, desde então, contribuiram muito com os projetos da próxima Copa em 2010, na África do Sul.

O Brasil tem os melhores jogadores de futebol do mundo e já é reconhecido por isso. Em 2014, o país vai mostrar ao mundo a eficiência da EcoArena brasileira, ou seja, um novo modelo de estádio de futebol econômico e sustentável. Depois de 2014, o Brasil poderá exportar conhecimento e tecnologia e contribuir com os projetos de outros países.

A África do Sul será um bom exemplo nesse sentido?
Ian – Não. A África do Sul deveria, hoje, ser referência para construções esportivas, mas perdeu a oportunidade de criar algo novo. O resultado disso é que quase nenhum profissional sul-africano está sendo consultado para ajudar nos projetos para 2014.

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